quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

A Moça da Torre

Ai.
Esbarraram nas costas do monte de Shizuan
e quebraram as pétalas das minhas esculturas.
Elas tinham, entre suas carnes, uma floração de nenúfares
capaz de desencaminhar os tais ensejos do Dragão.
Não eu, Elas.
Talvez, por isso, tivesse sobrevivido até aqui

(e de rasparem a quilha desses meus medos em uma vênula-coral
que não estanca pigmentos vermelhos).
Um olhar está todo quebrado
e tem ternuras só por vestígios.
Algum arqueólogo que salve seu pólen?
Algum insecto que doe a finura nas asas?
Ah, até a Moça da Torre, com seu perfume-sândalo e uma insônia infinita,
morava entre meus decalques. E tão recentemente que meu coração ainda a aninha nos versículos.
Nos anos 40, Cortázar, lá da América do sul,
desenhou um risco no céu, coisa de fogo.
Foi ligar pontos, içou a Moça num tal 2008, sem fagulhas no atrito.
(usou palavras que não se repetem, como nessas grutas da China).
Chegar perto Dela de carrinho de rolimã?
Passar pelas cerejeiras, caminhos leves, folhas secas, pés nus?
Perguntar do que gosta, decodificar seus mapas, como se possível?
Assim, vão orvalhado de florestas, ainda vive?
E voa?

sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

Água-Tinta


Há coisas de Klimt na minha carne.
Cem águas para demolir quinas
E uma amora sobre os invernos de brancura

Aqui o veado espera, como por lá, o som da água corrente
e ri com o que caminha, porque, às vezes, as flores estão.
Abre-se um trecho com a primavera inteira nas mãos,
mesmo em vidros coloridos, estilhaços.

O doloroso tornado liso na pele do átimo,
livre como piscar e tornar-se chuva.

A moça tem olhos pelo corpo,
e, dentro, um tiroteio,
uma bala encontrada,
um pirulito de maçã.

A fala que extrema o silêncio aqui,
um pouco mais fino para poder ouvir
a pétala inscrita no papel de arroz.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

Noite

para Grazzi


Afundo as mãos na terra pra encontrar barquinhos.
Andei desandando a febres.
Você não estava por lá, mas usei tabletes-senha para dormir dentro de um livro, como as pessoas que foram amadas.
Venham a mim os chocolates, disse Jesus.
Um dia fiquei decantada. Tentei mexer, juro. Mas desciam-me lugares, sedes, o alfabeto. Acho até que escutei alguém uivar.
É noite, noite, noite mesmo.
E o único que brilha é seu fogo-fátuo marinho,
farejando a carnação da orquídea.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

Sombra

A sombra é quimérica e absurda. Pode esconder-se atrás de uma porta por anos. A esta altura não brinca mais de coelho? Está suspensa pelo abandono. Acabou. Então transforma a despedida em um jogo de ecos, puro cansaço. Fiquei sabendo que dois dias ao lado da sombra e você já se sente ermo. Erminho, que seja. Pode ser que tenha se envergado sobre si, como uma concha, mas é certo que perdeu a memória do mar. Quebrou sua imagem nesse sábado, ao lado do telefone. Tornando-se ou tornando-a fundo, estabeleceu um compasso. A sombra é proposta pelo Outro. Basta: ela adoraria fundir-se para sempre ao chão dos desertos vermelhos. Dentro dela o vento é suave, as águas são frescas.Ouça.