para Bia Castro
Um gato passou entre minhas pernas com sua escuridão. Na sala estavam os interiores de um pombo. Assustaram-me um pouco.
Cheguei mais perto para observar seus olhos: a centelha dos selvagens ainda estava lá. Aproveitei para respirar o viço verde de florestas.
Acendi as luzes de toda a casa. Era a luz que acentuava as outras cores e delimitava o preto.
As clareiras:
1-Apesar de tudo, eram quase imperceptíveis os alívios da lâmpada elétrica, mas eu não gostaria de viver sem elas.
2-O meu sexo: parecia-me guardar ali uma certeza de encontro e um brilho particular para amor ou uso. Mas eu não saberia quem usaria quem e quem é uma palavra para alguém.
3-Nunca soube a diferença entre alma e coração e não me agradava pensar em alma como atributo do pensamento. E nem como espírito, espírito podia ser fantasma, e eu tinha medo de fantasmas.
4-O olho do meu gato: ele provava o prazer da abstração. Era definitivo e cuidaria de mim, a despeito de qualquer surpresa. O gato era minha filosofia, meu sossego. Também eu cuidava dele e pedia que a melhor ração lhe fosse oferecida, em nome de nosso profundo entendimento e afeto.
5-Eu poderia subir, rodar e descer entre tecidos, como um gato humano, conhecendo distâncias e proximidades, brincando com tudo o que meu corpo me deu. Não estava sozinha nisso: além de mestres, eu tinha amigas, amigos, e algumas pessoas paravam para ver o desafio e a alegria de lidar com ele. Depois se contentavam com a poesia daquela imagem.
Entre todas as minhas lembranças, algumas estão em meu relatório de riquezas do olhar:
1-A conjunção entre as noites e os dias (já foi a um observatório? a gente vive sob gigantes que não nos pedem nada);
2-As sombras e as luzes (os gatos ensinam isso muito bem e o sol é uma percepção a partir do espaço ou uma moeda antiga).
Isolada aqui neste quarto de computador procuro por você, meu amigo. Meu pai e a namorada acham que me quer, mas não acredito. Enquanto me concentro lendo as mensagens, o riso e a dor me rondam, e ambos estão a uma mesma distância da minha cadeira. Funcionam como um leque espanhol com o qual me abano serenamente, pois onde moro faz calor, e, à noite, chove sem novidade ou prisão.
Levanto-me para buscar um copo d'água e dou de cara com meu pai. Ele me abraça, sorri, conversamos e tomamos um café. A vida é boa porque é simples, não a conhecemos e estamos aqui.
Minha gata retorna e percebo que sente fome, apesar de seu silêncio impecável e uma maneira luminosa de ser preta como a noite de uma cidade que não tem fim em nós.
Um gato passou entre minhas pernas com sua escuridão. Na sala estavam os interiores de um pombo. Assustaram-me um pouco.
Cheguei mais perto para observar seus olhos: a centelha dos selvagens ainda estava lá. Aproveitei para respirar o viço verde de florestas.
Acendi as luzes de toda a casa. Era a luz que acentuava as outras cores e delimitava o preto.
As clareiras:
1-Apesar de tudo, eram quase imperceptíveis os alívios da lâmpada elétrica, mas eu não gostaria de viver sem elas.
2-O meu sexo: parecia-me guardar ali uma certeza de encontro e um brilho particular para amor ou uso. Mas eu não saberia quem usaria quem e quem é uma palavra para alguém.
3-Nunca soube a diferença entre alma e coração e não me agradava pensar em alma como atributo do pensamento. E nem como espírito, espírito podia ser fantasma, e eu tinha medo de fantasmas.
4-O olho do meu gato: ele provava o prazer da abstração. Era definitivo e cuidaria de mim, a despeito de qualquer surpresa. O gato era minha filosofia, meu sossego. Também eu cuidava dele e pedia que a melhor ração lhe fosse oferecida, em nome de nosso profundo entendimento e afeto.
5-Eu poderia subir, rodar e descer entre tecidos, como um gato humano, conhecendo distâncias e proximidades, brincando com tudo o que meu corpo me deu. Não estava sozinha nisso: além de mestres, eu tinha amigas, amigos, e algumas pessoas paravam para ver o desafio e a alegria de lidar com ele. Depois se contentavam com a poesia daquela imagem.
Entre todas as minhas lembranças, algumas estão em meu relatório de riquezas do olhar:
1-A conjunção entre as noites e os dias (já foi a um observatório? a gente vive sob gigantes que não nos pedem nada);
2-As sombras e as luzes (os gatos ensinam isso muito bem e o sol é uma percepção a partir do espaço ou uma moeda antiga).
Isolada aqui neste quarto de computador procuro por você, meu amigo. Meu pai e a namorada acham que me quer, mas não acredito. Enquanto me concentro lendo as mensagens, o riso e a dor me rondam, e ambos estão a uma mesma distância da minha cadeira. Funcionam como um leque espanhol com o qual me abano serenamente, pois onde moro faz calor, e, à noite, chove sem novidade ou prisão.
Levanto-me para buscar um copo d'água e dou de cara com meu pai. Ele me abraça, sorri, conversamos e tomamos um café. A vida é boa porque é simples, não a conhecemos e estamos aqui.
Minha gata retorna e percebo que sente fome, apesar de seu silêncio impecável e uma maneira luminosa de ser preta como a noite de uma cidade que não tem fim em nós.
11 comentários:
estou por aqui lendo vc bel bjos...assim que voltar vou Bat vc
... beleza de textos e este então!
Tenho a sensação de passar pela intimidade de uma mulher, às vezes de uma criança, uma criança atenta.
Sem rigidez e limite entre a filosofia, poesia ou inspiração, pausa súbita para respirar hálito interior. Muito bom.
q força gravitacional faz girar a vida em torno! vc fala de um mundo q eu só imagino. delícia satisfazer (atiçar) a curiosidade masculina. bj
Vc cuida muito bem das palavras, que são escolhidas com cuidado! Com o medo de fantamas me arrancou um riso, e hoje isso é coisa pacas! Gostei muito.
Maneira luminosa de ser preta como a noite... pura poesia! Adorei!
Esperei que acontecesse alguma coisa. Depois fui acompanhando as palavras, elas conduzem para dentro.
Que lindo!
Li várias vezes. Uma finura de texto!
isso é pra mim.
amei.
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