terça-feira, 31 de março de 2009

Simpatia


De bacante e sátiro tenho três dons. Mas antes de me vangloriar, é melhor que eu acompanhe a febre do desfecho.
Começando do fim preciso menos de adorno.
Paciência não me comove, por isso desliguei o telefone.
O seu braço, se alongasse no túnel de um caracol, enredaria meu pescoço. Não, isso não é amor. É só uma vontade simpática de morrer.
Claro, não contarei pra ninguém.
Principalmente neste dia, em que todo mundo é ninguém.
Agora uso cuspe só pra temperar as uvas.
Afinal, alguém ainda vai comê-las, assim, fermentadas, numa noite de maldade caprichada.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Tabuleiro


texto de Grazzi Yatña e Izabel Xarru





Passe a dama por debaixo da mesa.
Ela tem 64 chances na ascendência e 32 na descendência.
O pó de engodo não trina, se estabelece.




I -

E pela beira, o corpo coagulava?
A noite cobriu o tabuleiro delirante de fendas. Numa passagem de flash.Começou nesses membros a mais que chegaram e já estavam aderidos. Vez que empolava as dobras, de tanto reunir. De duas em duas é que o movimento esvazia o horizonte. Ficaram 20 em cada país. E as casas dividiram-se entre claras e escuras.
II-

O silêncio, por dentro, era de lava. E diziam que ela não podia com a palavra:
'Isso, menina, escreva! que poeta, heim?'.

E ela, centauro de tetas, estranhava o arremesso. As casas pretas tomavam as brancas no deslize. Mas só as brancas podiam começar o jogo.
'Onde livro anunciado, me dissolva a menstruação!'
Então ela abria a porta, a pia ainda pingando papéis, ia se cortando em tirinhas, para enfeitar o natal em família.A irmã oferecia um dinheiro para o brilho e costuravam agulhas no cristal.
III-

Pelo que lhe restava num segundo de memória, observou por mais de cem anos o observado se observando: conceitos pediam sempre companhia; era engraçado criar tantos já desacreditando de todos, tremer um pouco ao saber e ouvir Lou Red mirando o disco.
‘Sabe, a captura é obrigatória

Depois onomatopéia de gorila-imitação avançando sobre si e mais risos trouxas, às vezes uma lágrima por não se lembrar mais como era, antes de soletrar. De cheiro de bosta de camelo era a insígnia.
IV-

Também não acreditava em sorte ou azar, bastava fechar os olhos,"Valei-me vó!" e PuFF!Porquês não lhe interessavam mais que um chiclete grudado no cabelo. "Podem rapar! Vendo perucas, carecas! Mas os pentelhos são meus." Segunda casa de coroação.
V-

Uma vez a febre queimou o primeiro armário. Já estava em paz com a sodomia. Mas a febre vinha raspando o sacro na fagulha, e ela correu.

'Quem é?'

'Sou eu, com as surpresas'

'Tem certeza que vai viver aqui?'
E foi colocando as pedras no móvel e na geladeira, aparas de músculos que saltavam pra dentro da saliva quente.Gargalhava quando, nela, a gorila ameaçava, a sala virando montanha. Subiam e desciam pelas gavetas compondo mosaico e paredes de ruas.

'Tenho certeza sim'.

'Então tá. Entra sem diagonal!'
VI-

Terceiro armário no andar de quarto sem compasso e o quinto fazendo porta no sexto simulacro. Sorri sobrando no ritornello.O segundo armário era tão simples que se construíam exércitos de chaves. Chovia no eixo das dobradiças.

'Sem casa, pode? Vagabunda’!
VII-

Esqueci a porta da cozinha aberta. Daquela vez a gorila derrubou o tabuleiro e engoliu as pedras. O trapezista foi esse homúnculo que babava prosopopéias. Lembro de um incêndio que não acudiu retina. Um vodu gangorrava o alheamento.
EPÍLOGO-
E agora não sei se era dia ou noite. Não é agora que se diz sonhei?
(Ele atravessou o poço, provou que era feliz e gozou no garfo de uma suspeita).

Afinava a carcaça de seda no magarefe e encurtava as ancas pra mijar na boca dele.

'Troco um lote de metáforas por uma vassoura que não voe'

e foi a pé mesmo, morder umbigos em necrotérios.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

A Moça da Torre

Ai.
Esbarraram nas costas do monte de Shizuan
e quebraram as pétalas das minhas esculturas.
Elas tinham, entre suas carnes, uma floração de nenúfares
capaz de desencaminhar os tais ensejos do Dragão.
Não eu, Elas.
Talvez, por isso, tivesse sobrevivido até aqui

(e de rasparem a quilha desses meus medos em uma vênula-coral
que não estanca pigmentos vermelhos).
Um olhar está todo quebrado
e tem ternuras só por vestígios.
Algum arqueólogo que salve seu pólen?
Algum insecto que doe a finura nas asas?
Ah, até a Moça da Torre, com seu perfume-sândalo e uma insônia infinita,
morava entre meus decalques. E tão recentemente que meu coração ainda a aninha nos versículos.
Nos anos 40, Cortázar, lá da América do sul,
desenhou um risco no céu, coisa de fogo.
Foi ligar pontos, içou a Moça num tal 2008, sem fagulhas no atrito.
(usou palavras que não se repetem, como nessas grutas da China).
Chegar perto Dela de carrinho de rolimã?
Passar pelas cerejeiras, caminhos leves, folhas secas, pés nus?
Perguntar do que gosta, decodificar seus mapas, como se possível?
Assim, vão orvalhado de florestas, ainda vive?
E voa?

sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

Água-Tinta


Há coisas de Klimt na minha carne.
Cem águas para demolir quinas
E uma amora sobre os invernos de brancura

Aqui o veado espera, como por lá, o som da água corrente
e ri com o que caminha, porque, às vezes, as flores estão.
Abre-se um trecho com a primavera inteira nas mãos,
mesmo em vidros coloridos, estilhaços.

O doloroso tornado liso na pele do átimo,
livre como piscar e tornar-se chuva.

A moça tem olhos pelo corpo,
e, dentro, um tiroteio,
uma bala encontrada,
um pirulito de maçã.

A fala que extrema o silêncio aqui,
um pouco mais fino para poder ouvir
a pétala inscrita no papel de arroz.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

Noite

para Grazzi


Afundo as mãos na terra pra encontrar barquinhos.
Andei desandando a febres.
Você não estava por lá, mas usei tabletes-senha para dormir dentro de um livro, como as pessoas que foram amadas.
Venham a mim os chocolates, disse Jesus.
Um dia fiquei decantada. Tentei mexer, juro. Mas desciam-me lugares, sedes, o alfabeto. Acho até que escutei alguém uivar.
É noite, noite, noite mesmo.
E o único que brilha é seu fogo-fátuo marinho,
farejando a carnação da orquídea.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

Sombra

A sombra é quimérica e absurda. Pode esconder-se atrás de uma porta por anos. A esta altura não brinca mais de coelho? Está suspensa pelo abandono. Acabou. Então transforma a despedida em um jogo de ecos, puro cansaço. Fiquei sabendo que dois dias ao lado da sombra e você já se sente ermo. Erminho, que seja. Pode ser que tenha se envergado sobre si, como uma concha, mas é certo que perdeu a memória do mar. Quebrou sua imagem nesse sábado, ao lado do telefone. Tornando-se ou tornando-a fundo, estabeleceu um compasso. A sombra é proposta pelo Outro. Basta: ela adoraria fundir-se para sempre ao chão dos desertos vermelhos. Dentro dela o vento é suave, as águas são frescas.Ouça.

terça-feira, 28 de agosto de 2007

Tita

O nome dela é Tita.
Passa lá em casa, me chama para um sorvete.
Tomo o sorvete, lambo sua blusa até cansar.
O amor é assim.
Quando ela vai embora, lambo as minhas mãos.
Escrevo sorvete num pedaço de papel.
E fico olhando pro céu.

Ilha

O mar deve ser a golfada de um deus.
No fundo, peixes e ossos.
E não era para menos tanto.
A areia fixa a renda das conchas, distraem-se as horas.
Foge quem salta, o arqueiro, mesmo a lebre.
Alguém diria, a aventura era fazer nascer.
Pouso de penetração, silencioso como o nome do pai,
ilha feita com um olhar.
Arroubo ferindo pedras.
Adeus entre os afogados.

sexta-feira, 30 de março de 2007

Areia

Sonhei que ia ao seu encontro
e você estava sentado entre amigos
E quando eu ia te tocar
minhas mãos se apagavam
como na areia

As minhas mãos
recebiam o mar

E você ria
e pedia que eu ficasse
e você ria
e me chamava para ir a um sítio

E você ria
e me abraçava
e eu tinha que ir embora

Os seus cabelos estavam crescidos
e havia mais dentes
entre os seus dentes
Meu cinto já não podia fechar

E você ria
e me abraçava
e eu tinha que ir embora
como num crime

O sítio era em outro lugar
E quando eu ia te tocar
minhas mãos se apagavam
Movediças
no osso dos desejos


terça-feira, 27 de março de 2007

Divã

Humhum...
aaah... o divã azul...
os livros espalhados, pouca luz, as janelas gradeadas... estamos na sala.

Silêncio: tudo é segredo. Corto seus cabelos.

Ela me diz: "De Sempre-Livre para OB, eu estava pensando. Assim, quero dizer, me trocou por outra mulher. Contou-me por telefone. Numa ligação a cobrar."
'Ah, um apetrecho de colher sangue pisado...
Hum-hum..."

Ela chora.

Hum-hum...

"e depois vamos às fotos: quando cheguei, estavam espalhadas pela sala. Todas as mulheres que conhecia pelo ORKUT, poses bizarras, nuas ou quase, sandálias de salto e o clichê chicotinho/venda nos olhos/mãos-amarradas-na-cama".

Ela continua: "Um dia desses, saindo do trabalho, chega a mensagem: ‘me ligue, vou morrer, ugh, ugh!’ "

O cabelo no chão, os pelinhos incomodando.

Senti pena. Falo sério. De mim, claro. É que eu estava ocupada. Pensava em uma mulher que me queria burra, arrogante, comum. E, confesso, não fui capaz. Não por não ser burra, arrogante ou comum. Mas porque estava lembrando ... tempos em que andava de bicicleta em parques cariocas e conhecia o presente.

Ela: "Ofereci um drops de fluoxetina. Afinal, não me custou, minha bolsa estava lotada de contemporaneidades."

Hum-hum...
eh... perdão, preciso anotar, você disse fluoxetina?

Ela: "Sim!"

OK. Só para constar.

Eu não fazia a Pollyana. Eu não estava entre os ISO, porque meus amigos eram admiráveis, a família ia bem e meu amante era uma delícia. Suponhamos. Nem sabia de tanta gente tosca. Eu não estava prestando atenção.

Ela: "Agora estou em outro ponto. Acho engraçado o quanto não me vê".

Bom, ponto pra você: nesse caso, autocrítica também não serve pra nada.

Estou em transformação. Borboleta, asas picadas, tornando-se lagarta com hirsutismo. Também posso me desfazer disso. Penso em outra pessoa dizendo que um adulto se torna triste e solitário quando, de repente, é surpreendido, e que mais não vai falar porque é segredo. Ela, a escritora querida. Esqueço a lagarta.

Troco de absorvente.

O relógio sai cuspindo horas e horas. Também me estremece um assovio de morte. A sua e a minha. Pra simplificar, disse que você tinha morrido. Deixei de lado as explicações de fim de jogo. Sonhava por solavancos, por restos, e acordava gemendo, dolorosa.

Não te vi. Você estava por aqui?

Ora, ficou muito pouco.

Hum-hum...